
O cisne negro do coronavírus começou a cantar na China e, rapidamente, fez-se ouvir por todo o mundo, deixando a população, políticos, autoridades monetárias, empresas e investidores com os nervos em franja. As projeções macroeconómicas e financeiras internacionais são de alerta, com uma iminente recessão equivalente à da crise de 2008 no topo das prioridades internacionais, caso a pandemia do Covid-19 e o pânico continuem a alastrar-se. E o imobiliário, que nos últimos anos viveu em Portugal tempos de glória, também já está a sentir os efeitos do contágio? Como é que se pode ver afetado e proteger-se da pandemia, entretanto declarada pela Organização Mundial de Saúde? O idealista/news foi ouvir vários representantes do mercado a nível nacional.
Seja pelo impacto direto da economia nacional - que tal como disse o primeiro-ministro António Costa "não ficará imune a esta crise” -, seja por efeito externo, em cascata, através dos investidores internacionais, o imobiliário português, à semelhança de outros setores de atividade, vai (e está já a) sentir as moléstias do coronavírus a vários níveis, que poderão terminar num enfraquecimento do dinamismo que tem protanonizado. Em maior ou menor grau é, no entanto, ainda cedo para dizer, segundo apontam os responsáveis ouvidos. E pedem prudência (com cuidados e ajudas), em vez de alarmismos.
Já se sente o efeito do contágio do coronavírus no imobiliário?
Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da Associação Portuguesa dos Promotores e Investidores Imobiliários (APPII)
O setor não tem ainda dados concretos e mensuráveis do efeito que o coronavírus já está a ter no mercado, mas uma coisa é certa, o seu efeito já se está a sentir, desde logo com o cancelamento de todas as reuniões, aglomerados ou ajuntamentos de pessoas, conferências, vigorando já em muitas empresas a filosofia do teletrabalho.
Nós próprios na APPII, em prol do bem comum e num esforço internacional de contenção desta epidemia, cancelámos todas as reuniões presenciais durante 15 dias, tendo pedido aos nossos trabalhadores para fazerem o seu trabalho de casa, evitarem o uso de transportes públicos e saídas desnecessárias de casa. Portanto, o efeito de alguma paralisação do setor e da economia, sempre que exija contactos físicos ou presenciais, já está a acontecer.
Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN)
Como é sabido, a AICCOPN defendeu, precisamente, junto do Governo, a necessidade de serem adotadas medidas excecionais de apoio ao tecido empresarial, a exemplo do que está a suceder em diversos países, uma vez que, apesar de estarmos ainda num momento em que a incerteza é elevada, são já inegáveis as consequências económicas da atual crise junto das empresas.
Porém, em concreto, no imobiliário, ainda é cedo para aferirem os impactos reais porque, além das restrições geradas pelos constrangimentos resultantes de medidas preventivas, como a minimização das deslocações e dos contactos presenciais, não se pode afirmar que existam, até ao momento, alterações fundamentais deste mercado.
Note-se, no entanto que, no conjunto da cadeia de valor da Construção e do Imobiliário, há um sem número de situações em que, inevitavelmente, as empresas estão confrontadas com prejuízos avultados e efetivos.
A associação está a receber, diariamente, inúmeros pedidos de informação e reportes de casos concretos que reiteram a necessidade de apoiar as empresas e os postos de trabalho que estas asseguram. Veja-se o impacto do cancelamento, até ao momento, de mais de 565 feiras e exposições, das quais 254 localizadas na Europa, facto que gera, junto de algumas empresas, designadamente aquelas que têm como principal atividade a produção e a montagem de stands e outro tipo de materiais e equipamentos para esses eventos, avultados prejuízos.
Ou das atividades de instalação de materiais e equipamentos como portas e janelas, sistemas de ar condicionado, entre muitos outros, que dependem de fornecimentos provenientes de zonas geográficas afetadas. E há, também, um número crescente de empresas que estão a sofrer constrangimentos severos, devido à existência de trabalhadores em quarentena.
Luís Lima, presidente da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP)
O coronavírus está a ameaçar a economia mundial, com um impacto negativo nas bolsas, o que significa que todo o tipo de investimentos é posto em causa face ao panorama de possível pandemia.
Com o número de viagens a diminuir, bem como o volume e negócios das empresas, é expectável que também o imobiliário sofra as consequências deste surto, até pela tendência global do adiamento de investimentos, e porque regra geral, tudo o que afeta o turismo acaba por ter consequências no imobiliário (e vice-versa).
Francisco Bacelar, presidente da Associação dos Mediadores do Imobiliário de Portugal (ASMIP)
Até ao momento, houve apenas uma diminuição dos contactos, especialmente para quem trabalha mais com investidores estrangeiros, que naturalmente deixaram de viajar ou de se exporem a possíveis contágios.
A nível interno, também houve alguma quebra nos contactos, mas mantêm-se a procura, especialmente para habitação na faixa de baixos preços, ou do consumidor final. Aliás se tivermos anúncios para arrendamento a procura mantêm-se intensa, demonstrando que apesar da cultura de receio de contágio, a necessidade continua a ser superior.
De que forma poderá afetar o setor em Portugal?
Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII
Diria que o efeito vai acontecer em 3 níveis:
- Primeiro e desde logo, é natural que vá ter um impacto negativo na captação de investimento estrangeiro ao nosso país, tanto ao nível institucional, mas mais ao nível individual. Para um setor que vive muito ainda do investimento e do capital internacional, este ponto é fulcral e prevê-se impactar negativamente o volume total de investimento estrangeiro a entrar no nosso país;
- Depois um segundo ponto e talvez aquele que terá consequências mais visíveis e mais a curto prazo: que são as situações de incumprimento, atrasos e paragens que se prevê acontecerem na construção dos vários projetos imobiliários em curso um pouco por todo o país (devido aos necessários planos de contingência, períodos de quarentena e afins que se prevê virem a ser decretados já em várias empresas), com as necessárias nefastas consequências que tal vai trazer por um lado aos promotores imobiliários que sofrerão custos, prejuízos e atrasos significativos nos projetos que têm a seu cargo, mas também no avolumar do atraso na colocação da tão necessária oferta e de mais produto no mercado, juntando-se assim mais um obstáculo a juntar aos já insuportáveis atrasos nos licenciamentos;
- E terceiro, haverá certamente um impacto negativo nas vendas, com os compradores, sejam nacionais ou estrangeiros, naturalmente a adiarem por tempo indeterminado as suas aquisições, com mais enfoque naturalmente no segmento residencial.
Reis Campos, presidente da AICCOPN
O impacto sobre o imobiliário português dependerá, em grande medida de questões essenciais, sobretudo relacionadas com a dimensão e a duração dos eventuais efeitos ao nível do turismo e, de igual modo, sobre os processos de tomada de decisões de investimento. Neste momento, existem ainda grandes incógnitas porque não sabemos o tempo que toda esta situação vai durar, nem os seus efetivos impactos. Por outro lado, e não menos importante, é preciso perceber qual vai ser a resposta por parte dos governos.
Luís Lima, presidente da APEMIP
Nenhum setor será imune ao impacto do surto, e o imobiliário também sofrerá as suas consequências, nomeadamente por via da quebra da procura, nacional e estrangeira. Havendo menos procura e adiamento de investimentos haverá com certeza menos negócios. No entanto, não adianta sermos excessivamente alarmistas.
Esta é uma questão de saúde pública para a qual estão a ser tomadas as necessárias medidas de precaução, que esperamos que não tenham que se prolongar durante muito tempo.
Francisco Bacelar, presidente da ASMIP
Se o período de contenção em Portugal for um sucesso, creio que de uma forma geral os negócios não serão muito afetados, mas apenas adiados durante umas semanas.
O facto de as pessoas estarem retidas em casa e com tempo disponível está neste momento a levar ao aumento de pesquisas nos nossos sites que, espero, naturalmente resultem em contactos e aquisições após este período, compensando assim a quebra atual, e restabelecendo a normalidade sem grandes constrangimentos, quer para as empresas quer para os seus colaboradores.
Se a epidemia crescer a níveis de Espanha ou Itália, aí sim, poderíamos estar perante cenários complicados com consequências imprevisíveis que poderiam passar por problemas financeiros quer na mediação, quer na construção.
Contudo a prevenção que tem havido em Portugal parece estar a dar resultado quando comparada com esses países, fazendo crer que até final de março tudo estará ultrapassado sem sequer entrarmos na fase de mitigação.
Como se pode tentar proteger o setor?
Hugo Santos Ferreira, vice-presidente executivo da APPII
De resto, o setor está a preparar-se, juntando-se assim a um movimento generalizado a uma escala global, fazendo um esforço significativo de contenção do vírus, procurando cancelar, como acima referido, todo e qualquer contacto físico ou pessoal. Prevê-se para já uma paragem generalizada de 15 dias, infelizmente com custos e prejuízos avultados, mas em prol de um futuro e a bem de toda a humanidade. O setor imobiliário, que já provou várias vezes ser uma indústria muito solidária, não poderia assim ficar de fora deste esforço que une uma grande parte da Europa e não só por estes dias.
Reis Campos, presidente da AICCOPN
Sobretudo, é preciso reagir com rapidez e determinação, sem alarmismos, em função das questões concretas que vão surgindo. As medidas já avançadas pelo Governo, como a linha de crédito, a prorrogação do cumprimento de obrigações fiscais e contributivas e a flexibilização do lay-off para empresas afetadas estão alinhadas com o que defendemos, mas é necessário continuar a acompanhar os desenvolvimentos e estar preparado para, caso a caso, disponibilizar soluções concretas. No imediato, é importante controlar esta epidemia, minimizar os seus efeitos nas pessoas e nas empresas e tentar, rapidamente, estabilizar esta situação conjuntural.
Luís Lima, presidente da APEMIP
É difícil conseguir prever as consequências de um eventual surto, e o seu impacto. Esta é uma situação inédita, que não oferece muitas soluções. Neste momento, resta-nos aguardar com serenidade e avaliar, diariamente, o ponto de situação e o impacto económico nas empresas.
Francisco Bacelar, presidente da ASMIP
Por tudo o exposto estou convicto que a fase menos boa do momento acabará por ser compensada nos próximos meses. A ser assim, o setor poderá não ser muito afetado, pelo menos quando comparado com o turismo e tudo o que envolve diretamente, pois indiretamente o imobiliário também a ele está ligado.
Não obstante, poderão ser necessárias medidas governamentais para apoiar empresas e cidadãos que trabalhando neste setor demonstrem dificuldades em cumprir os seus compromissos, entre os quais os fiscais. Dessa forma evita-se que caiam em incumprimentos provocados pela estagnação dos negócios, e que em última análise originem problemas maiores como despedimentos ou falências.
Será sempre uma questão política e excecional, é certo, mas para grandes problemas justificam-se sempre soluções extraordinárias, que “mitiguem” males maiores.
2 Comentários:
Fantástico. Alguns dos senhores que dão opinião no artigo aqui em cima ainda fingem não perceber o que está a acontecer, para de uma forma interessada tapar o sol com a peneira e evitar o pânico. Espero que consigamos, em termos de Saúde, ultrapassar aquilo que considero o desafio de uma geração da melhor forma possível. No entanto, se há um sector que precisa de uma lição de humildade é o imobiliário. As imobiliárias, os sites de imobiliário (como o idealista) e a míriade de vendedores chico-espertos que apareceram como cogumelos, estimularam a loucura e a pândega. Surfaram a onda da globalização, especularam e destruiram o imobiliário nas grandes cidades em Portugal. Agora vão sofrer e merecem. Quem comprou um T2 de 290000€ nos subúrbios vai sofrer. O imobiliário vai desabar, basta pensar e ter dois dedos de testa. Quem surfou, vai sofrer. Quem especulou e ganhou, que limpe bem as beiças gulosas à miséria que criou.
As regras impostas pelo governo português em 2020 afastaram investidores estrangeiros,já que acabaram com o visto Golden, com a isenção de IR por 10 anos para aposentados, por exemplo.Conheço pessoas que estavam pensando em vender suas propriedades para investir em imóveis em Portugal, e desistiram por causa das novas regras.Com isso já pensam em investir na Espanha, que depois de 2 anos dá até passaporte europeu ao investidor.Vivemos tempos difíceis, nem sabemos o que ainda virá.Por isso, os governos deveriam ser mais flexíveis! O que pode salvar o mercado imobiliário em Portugal é a validação da CPLP que permite o livre acesso dos paises de lingua portuguesa. Isso estimularia brasileiros, por exemplo, a comprar imóveis em Portugal com certeza!
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